Nas últimas semanas duas notícias
de julgamentos em andamento me chamaram a atenção para um tema que merece ser
debatido amplamente pela sociedade.
A página do Supremo Tribunal
Federal – STF noticiou em 17/07 que a Procuradoria Geral da República impetrou
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI questionando uma lei estadual do
Amapá que criou cargos em comissão de livre nomeação na Assembleia Legislativa
daquele Estado (veja a notícia completa aqui
). Em 23/07, foi a vez de a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB informar que
também propôs uma ADI contra nove leis e duas resoluções que criaram um
quantitativo “desproporcional e irrazoável” de cargos comissionados na
Assembleia Legislativa de Pernambuco (clique aqui).
A Constituição brasileira admite
a criação de cargos de “de livre nomeação e exoneração”, destinados a
atribuições de “direção, chefia e assessoramento”. Eles constituem exceção à
regra geral que exige aprovação prévia em concurso público na Administração
Pública brasileira. É o que estabelece a Constituição Federal nos incisos II e
V do art. 37:
Art. 37. A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas
e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na
forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
V - as funções de confiança, exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Ora, mas se a própria
Constituição prevê a possibilidade de criação de cargos de comissão de livre
nomeação, porque a Procuradoria Geral da República e a OAB estão questionando as
leis amapaense e pernambucana?
A resposta está na proporcionalidade. De acordo com
cálculos da PGR, com a edição de leis em 2011 e 2012, a Assembleia Legislativa do
Amapá passou a ter 18,37 cargos em comissão para cada servidor efetivo – ou seja,
94,3% dos servidores daquele Poder não precisaram de concurso público para ser
nomeados. Da mesma forma, a OAB demonstra que na Assembleia Legislativa de
Pernambuco trabalham 264 servidores efetivos, enquanto o número de
comissionados é de 1.833 (ou seja quase 7 comissionados para cada efetivo).
A questão do excesso de cargos em
comissão constitui, na minha opinião, um dos principais problemas do Estado
brasileiro. Embora eu desconheça algum estudo que demonstre as relações entre
comissionados e desvios de recursos públicos ou pouca efetividade das políticas
públicas no Brasil (gostaria muito de conhecê-las!), o senso comum indica que, quanto
mais servidores concursados, submetidos a capacitação contínua e com
remuneração condizente, menores são os incentivos à corrupção e maior o preparo
para a concepção e a implementação de políticas públicas de qualidade.
Motivado pela propositura dessas
duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, resolvi então fazer uma pesquisa
em diversas fontes de dados para apresentar um panorama sobre o número e o
perfil de ocupação de cargos comissionados em diversas esferas do Poder e
Unidades da Federação.
O Poder Executivo Federal conta
atualmente com 22.417 cargos em comissão distribuídos pelos diversos
Ministérios e órgãos da Administração Direta. De acordo com o Boletim
Estatístico de Pessoal, editado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão (disponível aqui),
o número de “DAS”, como são chamados os cargos em comissão, cresceu 27% de 1997
a 2012, conforme demonstra o gráfico abaixo:
Observe no gráfico que, com
exceção de alguns anos pontuais nos mandatos de FHC (1998 e 1999) e Lula (2003
e 2006), a tendência é de crescimento praticamente contínuo no número de cargos
em comissão no Governo Federal.
Os números totais, entretanto,
escondem outra realidade: paralelamente à criação de novos cargos em comissão,
observa-se também um crescimento da parcela ocupada por indivíduos sem qualquer
vínculo com o setor público. De acordo com os dados publicados pelo Boletim Estatístico de
Pessoal, os “sem vínculo” representavam 22,80% dos 18.374 cargos em comissão em
dezembro/2002 (ou seja, eram 4.189). Dez anos depois, em dezembro de 2012, os
sem vínculo representavam 26,45% do total de 22.417 cargos – ou 5.930 pessoas.
Os gráficos abaixo apresentam essa evolução do perfil de ocupação dos cargos
comissionados no Poder Executivo federal:
Passando ao nível estadual, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE publicou neste ano, pela primeira vez, o Perfil dos Estados Brasileiros (clique aqui). Trata-se de uma pesquisa com informações básicas sobre diversos aspectos da estrutura dos governos estaduais, à semelhança do que aquele órgão já pesquisa há uma década no âmbito municipal.
Pesquisando a estrutura de
recursos humanos dos Estados brasileiros, percebe-se que há uma discrepância
considerável na relação entre os cargos comissionados sem vínculo com a
Administração e os servidores estatutários. Embora, na média, os sem vínculo
representem 3,5% dos servidores efetivos nos Estados, os extremos falam por si
só: basta comparar o resultado de Roraima, onde os comissionados sem vínculo
representam 35% dos servidores estatutários, com o governo de São Paulo, onde esse
índice é de apenas 0,4%.
No âmbito municipal o quadro é
ainda pior. Na última pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros (aqui),
o IBGE computou que os cargos comissionados sem vínculo constituem 13,6% dos servidores
estatutários pertencentes às estruturas das prefeituras municipais brasileiras.
Esses números revelam que nos municípios brasileiros o provimento de cargos em
comissão para pessoas sem vínculo com a Administração (e, portanto, sem
concurso público) é proporcionalmente muito maior do que acontece nos governos
estaduais.
A propósito, você pode conferir a situação do seu município
nesta tabela que eu preparei a partir dos dados do IBGE. É só clicar aqui: https://skydrive.live.com/redir?page=view&resid=E05276C4244D842E!122&authkey=!AHg-JGAa295tu-w.
O gráfico abaixo demonstra como,
ao longo dos anos, o crescimento dos cargos em comissão é superior ao dos
servidores concursados nos municípios brasileiros;
Outra forma de ver o problema no
âmbito dos municípios brasileiros é analisando como se distribuem os municípios
brasileiros com base na importância dos cargos comissionados sem vínculo frente
aos servidores concursados. Conforme atesta o gráfico abaixo, nos últimos anos
vem diminuindo o número de municípios onde os sem vínculo representam menos de
10% do total de servidores estatutários. Em comparação, vem crescendo a parcela
das cidades onde os comissionados respondem por 10% a 50% dos servidores
concursados. Nota-se ainda, que em 358 municípios brasileiros os comissionados
são mais do que 50% dos servidores efetivos.
Para complementar a pesquisa,
procurei também verificar como é a situação do Poder Judiciário brasileiro, que
já foi considerado por muitos uma “caixa preta”, mas que desde a criação do
Conselho Nacional de Justiça – CNJ tem apresentado grandes avanços em termos de
transparência e produção e divulgação de dados estatísticos. Merece destaque a pesquisa
Justiça em Números, que desde 2003 vem apresentando um raio-X da estrutura e da
produtividade dos diversos tribunais brasileiros (para os interessados, todos
os relatórios anuais encontram-se disponíveis aqui).
Considerando os últimos dados
disponíveis, relativos ao ano de 2011, verificamos que também no Poder
Judiciário a discrepância com relação ao peso dos cargos em comissão sem
vínculo é muito grande. De maneira geral, o pessoal sem vínculo representa 5,4%
do total de cargos efetivos em todos os tribunais brasileiros. Esse número,
porém, esconde um desempenho muito melhor da Justiça Federal e da Justiça do
Trabalho (ambos com um percentual de 0,6%), em contraste com os Tribunais de
Justiça Militar e os Tribunais de Justiça Estaduais (em torno de 8% cada um).
Para ter acesso aos dados por tribunal, realizei uma compilação aqui https://skydrive.live.com/redir?page=view&resid=E05276C4244D842E!120&authkey=!ACIjTQdRNLyBayA . O gráfico abaixo sintetiza o desempenho de cada jurisdição:
Para ter acesso aos dados por tribunal, realizei uma compilação aqui https://skydrive.live.com/redir?page=view&resid=E05276C4244D842E!120&authkey=!ACIjTQdRNLyBayA . O gráfico abaixo sintetiza o desempenho de cada jurisdição:
Os dados apresentados acima
destinam-se a dar mais subsídios para a discussão sobre a profissionalização e
a meritocracia no Estado brasileiro. Embora ainda careçam de uma maior
sistematização e da ausência de informações relativas ao Poder Legislativo municipal,
estadual e federal, eles indicam que o número de não concursados ainda é
relevante em todas as esferas de Poder e em todos os níveis da Federação. E com um agravante: percebe-se uma deterioração da situação nos últimos anos, pelo menos
quanto ao Poder Executivo federal e municipal, cuja série histórica está
disponível.
Passando do diagnóstico para o
prognóstico, na próxima postagem pretendo apresentar como o Supremo Tribunal
Federal vem lidando com essa questão e quais são as propostas legislativas em
tramitação no Congresso Nacional que pretendem coibir o número de cargos
comissionados e, assim, tornar o quadro de servidores mais técnico e
profissional no Brasil.
Até lá e obrigado pela paciência!
2 comentários:
Gostaria de saber onde encontro esses dados no site do IBGE e com qual programa você fez os gráficos. A propósito, a pesquisa é excelente.
Abraços,
Rafael
Caro Rafael,
No site do IBGE, no menu à esquerda, clique em "Banco de Dados" e depois nas pesquisas dos municípios (Munic) e estados (Estadic).
Os gráficos eu fiz no excel mesmo, salvei como figura e postei como objeto.
Obrigado pela atenção!
Bruno
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